Ao acordar em uma manhã de chuva, despertei com uns pingos finos que caíam sorrateiramente sobre a minha pele. Naquela noite, havíamos dormido com as janelas abertas, a do quarto e da sala, para fazer circular o vento que arejava a casa com um frescor de brisa que cheirava a litoral. Resolvi fechar a janela, com receio de um resfriado. Levantei-me com cuidado para não acordar Aline e percebi que, mesmo de janela fechada, o quarto possuía uma claridade natural que me permitia contemplar a presença daquela que há quase três anos divide comigo o repouso de cada noite. Não foi a primeira vez que senti um ardor de felicidade invadir minha alma. Procurei usufruir cada segundo daquele momento com a intensidade que move o coração dos amantes. Com a face voltada para a parte lateral da cama, como costumava dormir, e a boca ligeiramente aberta, Aline transparecia um sono solene. Recordo-me das primeiras vezes que começamos a dormir juntos. Quando namorados, imaginávamos que passaríamos a noite com nossos corpos entrelaçados, sentindo-nos como uma coisa só, respirando o mesmo ar, desfrutando o mesmo espaço, com o intuito de pôr em xeque as leis da física. Já na lua-de-mel, constatamos que não seria tão fácil assim. Eu me sentia um pouco sufocado e ela sempre preferiu dormir de costas para mim. Às vezes assolava-me uma inveja daqueles casais que passavam a noite abraçados como eternos namorados. O fato é que não dormir juntinhos não tornava o nosso sentimento menos sublime e menos intenso que o daqueles que se beijavam em toda e em qualquer circunstância, seja no cinema ou em frente às igrejas, no calor ou no frio, nos finais de tarde ou no resplendor da aurora. Envolvido em patente exultação, deslizei meus dedos por suas costas, percorrendo-lhe a pele até o pescoço, vindo a encerrar o percurso sobre seus cabelos. Estes, além de macios, possuíam tal volume que minhas mãos se perdiam por entre seus fios. Senti sua perna se arrepiar. Um sorriso se desenhou em seus lábios, mas não queria que acordasse. Mais uma vez vieram as recordações e um medo se adentrou por entre as frestas de meus pensamentos, medo de não tê-la conhecido, de não tê-la namorado e, por fim, de não tê-la desposado. Procurei imaginar minha vida sem sua presença ou sem sua existência e, como numa reação de defesa que só os seres vivos possuem, decorrente de um instinto de sobrevivência tão inato ao coração humano, minha mente não concebia tal possibilidade. E, assim, agradeci a Deus. O chuvisco insistia em regar a terra e os jardins do lado de fora e eu não conseguia me virar e continuar dormindo, não por medo de viver um sonho, a realidade era por demais concreta, mas porque aquele era um momento de verdadeira contemplação e, por que não dizer, de comoção. Comprovava-se ali que, para um casal sentir o amor que os envolve, não se faz necessário um entrelaçar de pernas e braços ou de beijos avassaladores, a despeito de esses gestos também se mostrarem como expressões de carinho e afeto. A contemplação da pessoa amada alarga o coração, alimenta a alma e enternece o corpo. Meus dedos percorrem novamente sua pele e vejo seus braços se arrepiarem, como uma espécie de autorização que me impulsiona a não parar. Ao esticar as pernas, num espreguiçar lânguido, percebo que também estas desfrutam o prazer da ternura que procuro transportar para seu corpo. O que mais me impressiona, no entanto, é a exultação de sua presença. Sentia-me em estado de graça. A manhã clama por um novo dia. A chuvinha pára, reabro a janela devido ao calor e volto a dormir, com a certeza de ter experienciado a mais pura e sublime contemplação.
Leonardo Setesois
Quantas vezes precisávamos desta contemplação, a vigiar nosso sono..e a certeza do amor correspondido e grato por momentos comuns até entre um casal, mas de importância extrema..
Que gostoso é acordar e sentir um olhar carinhoso provando que o amor esta ali..a sua disposição..é seu..
Nenhum comentário:
Postar um comentário