quarta-feira, 19 de outubro de 2011

MOMENTOS MÁGICOS…Rogério Martins Simões


MOMENTOS MÁGICOS…


Rogério Martins Simões
 
No lugar onde o meu pai nasceu existe um lema muito antigo, e seguramente bem conhecidos nas outras aldeias do Concelho da Pampilhosa da Serra: VAMOS TODOS COMO OS DA PÓVOA - expressa bem, e em poucas palavras, a união de um povo, nas boas e nas más horas.
 
“Que fascínio exerceu, em mim, a tia Emília, do Pátio do Carrasco!
- Rogério unge as mãos e os pés”!
E ali ficava sentado, num banco rente ao chão, costas direitas, joelhitos bem unidos.
- O rapaz tem “cobranto” e rezava…
Depois minha mãe fazia um defumadouro e eu respirava os cheiros ancestrais dos contos mágicos do meu pai…”

 
Se há algo que recordo são os lugares e as pessoas que me dizem qualquer coisa.
Recordo perfeitamente a Pampilhosa da Serra onde ia à feira, à missa e ao pão com minha tia Laura da Conceição Simões e a minha prima Almerinda Simões.
Lembro-me de irem todos juntos - juntos sempre como os da Póvoa.
Da Póvoa recordo tudo, ou quase tudo – menos os nomes dos mais velhos, mas, ainda os vejo como eram. É interessante que depois de tantos anos tiro parecenças aos mais novos que descendem daqueles que bem conheci.
Nunca vi uma porta de casa fechada à chave e não havia notícia de por ali alguém roubar. Roubar só se fosse algum coração de menina – e eu era e sempre fui um apaixonado…

Tinha e tenho muitos amigos, na Póvoa, desse tempo menino. Corríamos todos os poços, todas as hortas, todos os caminhos. Fumávamos às escondidas, cigarros feitos de capas e barbas de milho e juntos éramos uns saudáveis traquinas! Aprendi com os “meninos-homens” da aldeia a procurar restos de bombas de foguetes, que não tinham rebentado, e a sorte esteve pelo nosso lado quando as fazíamos explodir debaixo de uma pedra ou de uma lata.

Foi ali que aprendi a jogar às cartas e foram tão bonitos esses tempos.
Apesar de só lá estar três meses seguidos, em cada ano, sempre fiz muitos amigos entre os mais idosos. Gostava de trabalhar e de ajudar os outros. Às vezes estorvava! Mas… apreciava tanto uma viagem num carro de bois do Ti Manuel Mendes. Ele era tão meu amigo que chegou a emprestar-me um jumento para ir até à aldeia mais próxima “Moninho”.
- Oh Laura! O garoto é trabalhador! Dizia o avô do César.

Era de facto trabalhador e estava sempre pronto para regar as hortas e as leiras, tal como apanhar os girinos nas águas que escorriam da “Fonte Velha” a caminho de um lugar a que chamavam do “Polome” e tinha um poço.
“Polome” era o nome que se dava a um local da povoação, um largo, um local de encontro para quem chegava e para quem partia. Junto ao este local ferravam os animais de trabalho e ali por perto enterravam as tripas das cabras que matavam para fazerem a “chanfana” para a festa de Santa Eufémia - no dia 3 de Setembro.

Recordo a chegada ao Polome e a visitas “obrigatórias” que fazíamos aos que viviam naquele lugar a Póvoa da Pampilhosa da Serra. Lá estava sempre pronto para nos receber o TI António do Vale Serrão e foi perto da sua casa que vi, pela primeira vez, o grão semeado e um desactivado o forno da telha.
A vida era difícil, ninguém diria, ninguém lamentava a má sorte, pois as casas estavam quase todas ocupadas e as hortas bem tratadas.
O fumo das lareiras saía pelas telhas ou pelos “janelos”
O galo cantava e as galinhas passeavam-se pelo mato que cobria os caminhos da aldeia que viria a servir de estrume para as sementeiras do milho e outros produtos hortícolas. Ainda hoje sinto os cheiros, os sons, as cores, o calor do verão, a fonte velha e a sua água refrescante.
Ainda vejo o cântaro na nossa casa da Eira, as panelas de ferro, a caçoila em cobre, o borralho e a braseira.
Como era gostoso ir para a “Feteira” apanhar os melhores figos e os abrunhos que não mais comi! E os morangos que cresciam nas paredes da horta! As flores! Os cachos. As ginjas e as maças.
Como vêm estou marcado. Sou um poço de saudade!
Não! Não me entendam que a minha saudade é de um tempo que não volta, (mocidade perdida). É e será difícil entender quanto eu amo a Póvoa e as suas gentes – parentes.
A minha saudade são os afectos, as recordações de tanta gente boa que nem me atrevo a citar um só nome.
A minha saudade é de ter vivido em liberdade cimentando a minha formação e alicerçando em valores a minha vida.
- Bom dia senhora Maria!

- Bom dia Rogério!
- Obrigado Rogério!
- Obrigado senhora Maria.
Aquela gente ensinou-me a dar e a receber. Ensinou-me a repartir e a não estragar o pouco que tinham. Aquela gente ensinou-me a amar e a lutar pela vida.
Vou terminar esta pequena incursão nos percursos vivos e saudáveis da minha memória…
Convidem-me para provar as filhós da aldeia do meu pai, dos meus avós.
Redescubram o bolo doce cozido num qualquer forno comunitário, com uma folha de figueira a servir de forma, e eu lá estarei para vos dar a provar a deliciosa marmelada caseira cristalizada na casa dos meus avós.  
Comerei a sopa de feijão atulhada com couves, abóbora, feijão seco e faceira de porco.
Derreter-me-ei com o lombo de porco retirado da panela de barro e com um pedaço de broa com presunto.
E se tiver frio dormirei num palheiro ou no sobrado por cima do curral das cabras!

Agora tenho de ir!
Não posso nem devo fazer esperar o povo.
O povo não parte sem mim,
nem eu parto sem o povo!


http://poemasdeamoredor.blogs.sapo.pt/2008/06/





 Amor

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