quarta-feira, 13 de julho de 2011

A divina arte de construir pontes - Izabel Telles

A divina arte de construir pontes
Izabel Telles

O ser então sonhou. Sonhou com muitas imagens, com imagens tão nítidas e fortes que parecia que não era sonho. Parecia ser real.
Viu-se numa constelação muito distante, onde dar um só passo poderia demorar cinco horas no tempo da Terra. No centro desta constelação sentiu-se parte de um enorme círculo formado por muitos seres. Todos com cara doce e feliz. Ao lado de cada homem uma mulher com um jeito ainda mais doce e ainda mais feliz. Todos estavam de mãos dadas. O ser queria falar com eles, mas da sua boca não saiam palavras. Estendia os braços, mas estes não alcançavam os braços daquelas pessoas que tinham todos - agora ele se dava conta - as feições do Grande Chefe!
Tendo que ter uma paciência que nem conhecia ou reconhecia em si, aproximou-se lentamente do centro desta roda e contou mentalmente quantos seres estavam ali: o círculo era composto por 22 chefes: 11 homens e 11 mulheres. Todos tinham a mesma altura, de formas que a grande roda tinha muita harmonia e beleza. Porém, cada um representava uma diferente raça. Era, então, um círculo com 22 raças.
Que gigantesca solidão o nosso pequeno ser sentiu naquele instante. Mesmo na linguagem dos sonhos que permite que tudo que aconteça seja verdade mesmo quando tudo parece impossível, ele olhava para cada uma daquelas figuras sem saber bem como começar.
Era como andar sobre um gigantesco tabuleiro de xadrez.
Ele, como um pequeno peão, deveria iniciar o jogo, era isso que a intuição mandava.
E, no sonho, relembrou as ordens do Grande Chefe:
Olhar para ver... sentir... cheirar... e olhou bem para os olhos das pessoas à sua frente. Todos pareciam contas de cristal azul de uma transparência inimaginável... Estas faíscas de cristal emanavam centelhas de amor e bondade e de tão forte natureza que nosso ser não conseguiu mais resistir e se atirou nos braços daquele homem e daquela mulher que estavam bem à sua frente. E, neste instante experimentou paz, harmonia, acolhimento e uma bondade que, penetrando em cada uma de suas células, encheu seu coração de contentamento. Pela primeira vez em sua vida, nosso ser estava experimentando a radiante sensação de estar novamente em casa.
O sol da manhã veio esquentar o corpo do nosso ser que jazia tão relaxado e abandonado na esteira, que o Grande Cacique foi tocá-lo para sentir se ele sonhava, mas ao se aproximar dele e vendo revelado em sua face um enorme sorriso, preferiu deixá-lo dormir mais um pouco. Para o pajé, ele deveria realmente estar sonhando. E o sonho parecia muito bom.
No meio da manhã o ser despertou ainda cheio de sono e ao ver o pajé lá onde a montanha desmancha seu verde sobre a colina, despejando sua força no fundo do vale, saiu correndo, ainda meio sem prumo, em direção ao chefe.
Esbaforido, respirando em compassos rápidos, ele disse de uma só vez:
- SONHEI!!!
O Grande chefe voltou-se mansamente sem pressa e sem tempo, como só os sábios sabem fazer e concordou sorrindo de leve com o grito do ser dizendo:
- Que bom... então vamos agora falar do sonho. Vamos ver o que ele nos revelou.
E o ser desatou a contar o sonho e o pajé desatou a ver o sonho como quem assiste a um filme numa tela comprida e larga. O ser não via, mas o chefe sorria emocionado com o que via/ouvia. Uma verdadeira, pura, cristalina revelação. Bem haja!
Ao fim de todo o relato o pajé apenas disse:
- O que este sonho falou para o seu coração?
O ser respondeu rapidamente:
- Que existe um lugar de paz e harmonia onde a gente não é julgada ou avaliada. Onde tudo que recebemos é amor incondicional. E lá é muito bom! É muito bom voltar para casa!
O cacique apenas arrematou:
- Pois é. Você viu e sentiu as suas origens e para onde, um dia, você irá retornar vitorioso.
O ser então respirou profundamente e, pela primeira vez na sua vida, sentiu que não estava mais sozinho.

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