domingo, 12 de junho de 2011

Asas do destino - (Por: Marcos Woyames de Albuquerque)

Asas do destino
(Por: Marcos Woyames de Albuquerque)

Se era o meu destino, pois que fosse assim.
Naquela manhã o vento estava forte e mais frio que o de costume.
Do alto do penhasco eu avistava os primeiros raios de sol.
Desde que havia nascido, a altura não havia sido problema, mas hoje, especialmente hoje um certo receio me dominava.
Durante toda a minha vida meus pais me haviam preparado para aquele dia. Muito havíamos conversado e, apesar do receio, a ansiedade pela hora "h" se mostrava muito maior.
Não tinha medo de cair, isto já acontecera uma vez quando caí do ninho. Meu pai, um falcão rei, em um simples e espetacular mergulho, alcançou-me a meio caminho da morte certa. Não ficou impune a minha queda. No alto de minha coxa esquerda ainda resta a cicatriz deixada pela poderosa garra de papai.
Meu pai era um belíssimo exemplar de nossa espécie, talvez o maior falcão da região.
Seu piar era ouvido longe e tanto como ele, respeitado e temido por todos. Jamais alguém ousou invadir seu território.
Mamãe, como toda fêmea, tinha um porte menor, mas não por isso era menos bela.
Muito me orgulhava de meus pais.
Até aquele dia, haviam se revezado em muitos cuidados com minha criação.
Nem quero imaginar o quanto foi dura a decisão no momento de escolher entre meu irmão e eu. Foi a lei da natureza, eu era maior, mais forte, eu tinha mais chance de sobrevivência.
Enquanto não pude ficar só no ninho, cada um deles tomava conta de mim.
Era sempre assim, um comigo no ninho, o outro em busca do alimento, da caça.
Por falar em caçar... meu pai era um mestre nesta arte. Avistava seu objetivo a quilômetros de distância. Raríssimas as vezes em que o vi perder um ataque.
Meu pai tinha um nome a zelar... ave de rapina!
Não me canso de falar, o quanto eu me orgulhava e ainda me orgulho dele! Um dia ainda seria um falcão como ele.
Astuto, rápido, forte, seguro da minha capacidade, dono de um vôo régio.
Mas, a hora é chegada - frio na barriga - meu primeiro vôo.
Minha mãe passou muito de meu tempo de vida mostrando o que eu deveria fazer e agora, com sua asa aberta, era um exemplo de como deveria me posicionar, em relação ao vento.
Ela não fazia movimento algum, o vento ascendente, junto ao penhasco, batia em suas asas e pronto, mamãe se punha no ar. Diminuía a envergadura e pronto, de volta ao ninho.
Meu pai, sempre de poucas palavras, posicionou-se, no que agora sei, num ponto estratégico. Caso eu não conseguisse, ele novamente faria uso de seu mergulho veloz e de suas garras poderosas e, sabe lá Deus, eu ganharia uma nova cicatriz!
Lentamente, mas com segurança, mamãe usou seu bico e me levou, com leves empurrões, para a ponta da pedra onde meses atrás, junto com meu pai, construíra nosso lar.
O vento alvoroçava minhas penas. Minhas asas vacilantes não obedeciam a minha vontade de voar, mas ao meu receio de cair.
Minha mãe... incentivando.
Meu pai... calado, sério, observando.
Abri um pouco as asas e senti a força do vento empurrando meu corpo.
- Isso filho! Abre mais! ...Mãe é mãe!
Mais um pouco e quase levantei do chão. Meu corpo se desequilibrou, eu caí para trás.
- Levanta! Falou meu pai, com voz de quem quer ser obedecido.
Inseguro, trêmulo, me levantei e retornei à escarpa. Respirei fundo e ... asas abertas... pés fora do chão, sacode daqui pr'ali , dali pr'aqui.
- Estou voando, estou voandooooo!!!
- Calma! Mais uma vez meu pai grita. Minha asa esquerda se fecha com o susto, eu caio... me esborracho na pedra.
Pela primeira vez no dia de hoje, vejo meu pai com semblante calmo. Se aproxima e com toda paciência diz:
- Filho, voar é uma arte que requer ciência e consciência. Até que você assuma dentro de si, o vôo como seu meio de locomoção. Até que o incorpore aos seus reflexos, você terá que usar seu cérebro. Terá que pensar o tempo todo. Não deixe que a excitação tome conta da sua inteligência!
A forma tranqüila e firme com que meu pai falou naquele momento, me deu uma segurança tão grande, que prontamente me levantei e fui direto para a ponta do penhasco.
Respirei fundo, abri minhas asas e deixei que o vento me elevasse. A cada movimento, por mais leve que fosse, pude observar que meu corpo ia para um lado ou para outro.
Um leve mexer da cauda e prontamente era correspondido e aí, um novo movimento.
- Vamos filho, vamos nos afastar do penhasco. Não tenha medo, estou a seu lado.
Mais uma vez a voz firme de meu pai me dava segurança.
Um leve movimento de asas, um pouco mais para trás e lá fui eu... quanto mais atrás, mais veloz. Que coisa deliciosa é a velocidade!
- Calma filho, uma coisa de cada vez. Aprenda a sentir o vento, use as correntes de ar. Aprenda, vamos, aprenda!
Meu pai a meu lado, voando comigo, mais uma vez me sentia orgulhoso!
O dia foi passando e logo eu estava pronto, já voava sozinho.
Meus pais, lá no alto do penhasco, me observando.
O olhar terno de minha mãe e o peito elevado de meu pai diziam tudo.
Eu agora sabia voar, aos poucos iria caçar e um dia seria um falcão rei e dominaria um território, igualzinho a meu pai.
- Voar! Que coisa magnífica!
Me lembro de uma lenda que meu avô contou. Falava de uma gaivota que se rebelou. Uma gaivota especial que não quis ser como as outras e vir ao mundo apenas para se alimentar e procriar. Ela queria mais, ela queria voar. Voar mais alto, voar mais bonito, fazer manobras... fazer do vôo uma arte!
Fernão... acho que este era seu nome.
Fernão viveu e morreu por seu objetivo.
Talvez um dia eu faça isso... talvez um dia eu experimente novos vôos. Talvez um dia eu precise ousar mais.
Talvez um dia eu vá mais alto e mais rápido, mas por hora me contento em ser com eu pai... um falcão rei.
- Amor! Amor! Acorda! Acorda! Hora de trabalhar!
- Você dormiu lendo o livro do Richard Bach. Olha só, amassou o livro todo!
- Nossa, tive um sonho tão lindo! Não sou um falcão! Puxa, mas foi tão real!
- O que? Do que você está falando? Que falcão é este?
- Depois eu conto. Sabe amor, tenho tanto orgulho de meu pai!
- Amor, tem certeza de que está bem?
- Estou ótimo, ótimoooooooo!

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